29 de setembro de 2005

De passagem

Foi o ano passado, a última vez que o vi. Você carregava uma mala, a um ombro, e eu esperava por alguém de quem viria a esquecer o nome, a voz, o rosto, tudo. Obviamente, não lhe perguntei se partia, se chegava, nem você inquiriu sobre que fazia eu, naquele momento, numa estação de camionetas, longe de casa. Lacónicos, despedimo-nos: você mandou lembranças a minha família, coisa com que eu não podia replicar-lhe; limitei-me a dizer "serão entregues". Achava que você sofria muito desde que os seus filhos deixaram de falar consigo, mas que era um homem forte, prático. Ainda foi para as Perolivas, ouvi contar, viver de bichos que começara a criar. Remediava-se por lá. E veja: há duas manhãs, os olhos da minha mãe pasaram pelo «Diário do Sul» e deram com o sr. João nos obituários. Deve recordar-se de como a mãe é, certo? pôs-se a recear "o pior" e não sabia a quem perguntar como. O meu pai lá se lembrou de um antigo patrão seu, o da livraria. Ficámos, então, a par de que você teve uma grande dor de cabeça, foi para o hospital e findou-se numa maca. Ora, isto ninguém poderia intuir. Você não tinha a morte no espí­rito nem sequer mais de cinquenta e três anos. É verdade, não é, sr. João? a vida leva-nos para onde temos de ir, não para onde queremos que nos leve.

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