18 de março de 2006

Exercí­cios de solo, discursos com método

Se chegarmos de um dia de chuva e à entrada de casa não estiver um tapete antes do primeiro degrau, podemos escorregar com um pé e saltitar com as nádegas. É de suma utilidade que, após esse exercí­cio, profiramos cinco ou seis palavrões (mais, se estiver a doer muito) e a seguir riamos bastante ou, na eventualidade de termos outra religião e nos conseguirmos mexer, nos prostremos de joelhos pedindo perdão pela linguagem herética, e neste caso devemos ser prolixos o suficiente para convencer e terminar o assunto fazendo um sinal com os dedos que não entre em contradição com o discurso penitente.

26 de fevereiro de 2006

Hard-hearted children

Eu acredito em monstros e eles vão invadir a Terra.

Antenas

Frequentemente sei umas coisas um bocado depois de muita gente; nunca lo confesso, mas pergunto-me se isso é por distracção ou porque me apetece. Ontem, por acaso ( se os hábitos são por acaso... ) ligara a Antena 2, no trabalho e, a dado momento, não muito após o sol [de]posto ( soles occidere et redire possunt ...), o locutor disse que trazia um convidado havanês que era escritor, e eu colei o ouvido direito à coluna. O entrevistado chamava-se Abí­lio Estevez e publicou, recentemente, em Portugal, Os PaláciosDistantes, pela editora Vega.

18 de fevereiro de 2006

Monde

«As mulheres e crianças são violadas e mutiladas deliberadamente como parte das estratégias militares nas zonas de conflito (...)»

4 de fevereiro de 2006

Plath




Sylvia Plath morreu numa manhã de Fevereiro: fechou-se na cozinha e abriu o gás (não estou a querer dar ideias); eu gostaria de acreditar que se matou involuntariamente, que pretendia cozinhar, mas que, com a cabeça dentro do forno, da mão lhe escapou o fósforo que demorou tempo demais para apanhar.

26 de janeiro de 2006

Entretanto, antigamente


Entravam por debaixo da porta da varanda e desciam as escadas até chegarem à saleta, gélidas como princesas da Islândia. Portanto, correntes de ar. E eu escrevia flúidamente, qual Reinaldo Arenas - com a diferença (uma, entre milhares) de que ele escrevia à-máquina e eu com uma esferográfica de laboratório de fármacos. Ele sempre se divertiu mais do que eu. Fez sempre muito mais barulho do que eu. E quiçá até mofasse mais, e fizesse mais caretas que Bjork. Quiçá o frio que eu sentia fosse ele, talvez fosse ele a descer as escadas.

20 de janeiro de 2006

A bibliotecária espirituosa

Na portaria deram-me uma ficha de inscrição a preencher, uma chave de cacifo número 32 e disseram-me que subisse as escadas. Fui dar à Sala de Leitura, onde um empregado, que lia um jornal, me indicou o caminho. Por onde passasse, as minhas sapatilhas faziam chiar a madeira. Atravessámos, assim, o meu ruído e eu, um corredor com estantes à esquerda e, à entrada da sala imediatamente a seguir, dirigímo-nos a uma funcionária que encontrámos sentada frente a um portátil ligado a um aparelho que supus ser uma impressora.
- Tem atestado de residência?
- Não trouxe comigo. Serve, o b.i.?
- Tem carta de condução?
- Sim.
- Importa-se de ma mostrar? Nós aqui na biblioteca não confiamos no que as pessoas nos dizem; precisamos de provas.
Fez-me mais uma série de perguntas, parecendo querer corroborar ou desmentir o que eu redigira na ficha de inscrição. Depois, inseriu um cartão de plástico na tal maquineta e mandou-me olhar para uma webcam; ia tirar-me uma fotografia.